Mais um dia estava começando. Ela abriu os olhos - foi obrigada.
Ontem ela tinha trocado a pilha do despertador, o que significa que ele tocou super alto, deixando-a com uma dor de cabeça considerável até o final do dia. Ao tatear no escuro para desligar o despertador ela bateu acidentalmente o braço em um copo d'água derrubando-o e distribuindo cacos de vidro e gotas de água por todo o chão. Não foi um começo de dia muito feliz. Mas não era tudo... ¬¬
Ao conseguir acender a luz de seu quarto, deu de cara com seu espelho que revelou duas grandes surpresas desagradáveis. Ela ia gritar com certeza, mas quando abriu a boca lembrou de sua dor de cabeça e decidiu controlar e ouvir seu grito de raiva mentalmente.
Bom, vamos por partes. Primeira surpresa desagradável (das várias que ela teve nesse dia): seu cabelo estava totalmente armado, embaraçado, e amassado. Descabelado. Depois de alguns segundos inquietantes ela entendeu o porque. Ontem a noite ela tinha tomado banho e lavado o cabelo, afinal, queria acordar bonita hoje. Era um grande dia. Mas ela estava tão cansada que acabou se deitando com o cabelo molhado e embaraçado, e percebeu que caíra no sono. Seu cabelo secara no travesseiro amassado, e isso era uma verdade incontestável: estava horrível.
Segunda surpresa desagradável: Ela recebeu o troco pelos chocolates caros que havia comprado. Uma espinha gigantesca brilhava púrpura bem em baixo do seu nariz.
Levantou rápido da cama. Pegou uma vassoura e um pano, e o mais rápido que pode arrumou a bagunça do copo d'água. Em seguida, pegou um pente e começou a arrumar o cabelo. Mas não demorou muito chegou na última conclusão que pretendia chegar: era inútil. Por mais que penteasse, arrumasse, passasse creme, molhasse... Não adiantava. Uma vez que acordou mau-humorado, mau-humorado iria ficar.
Ok, tentando o máximo que podia manter a calma, usando gel fez um rabo de cavalo razoável e passou para o segundo problema imediato: a espinha. Ok, não adiantaria passar pomada agora, afinal ainda não haviam inventado uma pomada power contra espinhas que resolvesse o problema imediatamente com um ''pluft''. Então fez o que podia: apelou. Tentou espremer.... AAHHH!!! Não adiantou. Tudo o que conseguiu foi que seu rosto inchasse ainda mais e a espinha ficasse mais vermelha. Chegou a outra conclusão: vai inflamar.
Tudo bem, não dava pra perder mais tempo. Abriu o guarda-roupa e pegou a roupa limpinha e passada que separou ontem a noite para o dia de hoje. Mas, perai... Cadê a blusa? Ahhh... Agora já era demais! Ainda controlada, mas internamente muito nervosa, saiu pela casada a procura da blusa. Não! Não podia ser! O tempo pareceu parar por alguns segundos quando ela viu sua blusa, que separara com tanto carinho... Agora suja de pelo, junto com o cobertor do cachorro.
Correu para o quarto. Precisava de um plano B. Encontrou outra blusa, não era nenhum pouco o que ela pretendia usar hoje, mas ainda sim vestiu, se sentindo a pessoa mais feia e azarada da fase da Terra.
No geral era uma pessoa calma, mas hoje, quando ela mais queria ter sorte... Justo hoje! Justo não... Justo é que não era...
Após ter derrubado a pasta de dente, e engasgado com água (sim, isso aconteceu!) ela saiu apressada de casa para o ponto de ônibus. É claro que tinha seu próprio carro. Um dos últimos lançamentos! Mas semana passada ela dera uma leva batida na porta da garagem. Não foi sua culpa oras! Ela tinha pressa para chegar a tempo. Aliás, pressa é com ela mesmo! Está sempre apressada para ir de um lugar ao outro.
Riu baixinho. Quando ela está em alto estado nervoso ela começa a conversar com si mesma: ''Ai... Só o que falta é eu perder o ônibus mesmo chegando 15 minutos antes!''. Bom, tecnicamente ela não perdeu o ônibus, pois subiu nele no horário certo. No certo horário que um assaltante apontou uma arma ao cobrador e gritou ''Todo mundo calmo que eu não quero ter que machucar ninguém! Pego a grana e dou o fora!''
Pronto. Você já foi assaltado? Já viu uma arma de perto virar na sua direção? Espero que não, mas se já foi, você sabe exatamente o que ela sentiu. O tempo pareceu congelar, e inacreditavelmente, ela estava calma. Com o coração disparando, mas o cérebro calmo. Nunca tivera a sensação de que estava controlando tanto seus pensamentos, e tão consciente deles. Seu coração bateu mais forte ainda, e seu pensamento ficou mais calmo ainda quando o assaltante apontou a arma para ela e disse: ''Dona, dá aí essa bolsa! Dá!'' Ela calmamente passou a bolsa que continha cartão de crédito, cheques, celular, mp4 e dez mil reais em dinheiro. O assaltante pegou a bolsa (sem imaginar o seu real valor) e o dinheiro do ônibus e saiu correndo. Subiu na garupa de uma moto que esperava ele do lado do ônibus e fugiram em rápida velocidade.
Ela sentou no fundo do ônibus e foi até o ponto final. O ponto em que iria descer já tinha passado a muito tempo, mas agora ela já não tinha como objetivo ir para lá. Aliás, agora ela não tinha um objetivo para o dia. Então não tinha pressa para realizar nada. Desceu do ônibus com calma, aproveitando para olhar as pessoas, a estação, os cachorros na rua... Olhou tudo como se nunca tivesse visto nada disso na vida. Como se fosse coisa de outro mundo. E realmente era. Não era esse mundo em que estava acostumada a ver... Nunca reparara em coisas tão mundanas...
Descobriu um parque perto dali.
Entrou, e no mesmo estado de absorção total de todas as qualidades do mundo sentou em baixo de uma árvore e ficou observando as crianças brincarem. Elas não tinham pressa ou obrigações. Estavam lá simplesmente porque estavam. E como estavam decidiam se divertir a todo custo. Balanços, gira-giras, pique-esconde, e risadas enchiam o parque de vida. Ela se lembrou então de como era divertido. Crescera com pais separados, mas tinha uma lembraça de um dia seu pai ter ido junto com ela a um parquinho.
Meu Deus... Que dia!
Deu uma risada ao brincar com suas lembranças, e também ao imaginar o que os sócios da empresa deveriam estar pensando agora. Um grande negócio, e um enorme contrato deveriam estar assinando agora. Mas não estava preocupada.
Estava contente em ter ar em seus pulmões e a oportunidade de respirá-lo lentamente. Sem pressa.
Deitou na grama ao observar o formato das nuvens.
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