"Um caminho que se percorre não com pernas, mas com coração. E onde o único desafio que vale, é percorrê-lo por inteiro."


sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Parto do parto

No começo era o tempo.


É engraçado como minha memória arquiva as pequenas sensações, cores. E não os fatos em si.
Mas era o tempo, no começo era ele.
O começo era verde. Tão verde como a grama. Nem seca nem viva.
Lembro das tardes, muitas tardes. Nem tão felizes.
Lembro do som das risadas e das canetas.
Lembro do verde, aquele mais escuro bem a minha frente.
Também lembro dos cartõezinhos.
Lembro dos tatu-bolinhas. Sim, dos tatu-bolinhas e do vermelho em quatro rodas.
Lembro do boné e lembro do xadrez.
Lembro do cheiro de coisas novas.
Recordo a brisa leve no rosto e um sorriso mais alto.


Mais tarde era ócio.
O ócio sempre ativo.
Lembro do cinza. Que diferente de muitos cinzas era um cinza feliz.
Lembro das pedrinhas e do pó.
Lembro do azulejo amarelo e lembro das mentiras deliciosas.
Lembro da liderança e da incompreensão.
Lembro de um cachorro gigante e da minha imaginação.
Lembro bem dos olhares e lembro da vida-dupla.
Também lembro da música e do papel riscado.
Lembro do som das notas e dos patins quebrados.
Recordo o cheiro do chão. Cimento maltratado.


O que recordo é sempre vago.
Cores e formas em meus olhos.
Quase sem significado.
Algo distante, daquele distante que é bem leve.


Até que nasci.

A maioria das pessoas nascem apenas uma vez.
Eu sei que posso mais que isso.
Não sei se é bom ou ruim, mas é verdade.
Não me importo com o que pensam, eu posso nascer de novo e tenho o controle disso.
Eu nasci duas vezes até hoje. Estou em busca da terceira.


Do primeiro nascimento lembro do abraço.
Bem quente. Hoje ele é frio e cheio de saudade.
Saudade até do futuro que nem vem.
Lembro apenas das cores, cheiros e sons.
Nada mais.


Sei que o tempo entre o meu primeiro e segundo nascimento estava realmente com pressa.
Não parou nenhum momento.
Correu, correu e não descansou.
Lembro que ofereci água. Tentativa falha de distraí-lo. Mas não adiantou.
Em seguida tentei chocolate, chiclete e bala. Nada.
Minha última tentativa foi o beijo. Negou.
Correu e até voou.


Do segundo nascimento me lembro do som das canecas de metal.
Minhas lembranças são um pouco mais vivas.
Mais claras e nítidas.
Um tico mais presentes.

Me lembro da manteiga não comprada.
Lembro da madeira e da cortina preta.
Lembro do mestre e lembro da energia.
Lembro de todos.
Recordo do tom da voz.
Recordo do corpo estranho e dos corpos estranhos.

Lembro do sabor do beijo. Dessa vez o tempo aceitou.
Claro que não por muito tempo, mas ele descansa comigo agora.
As vezes me acorda de noite pra dormirmos juntos.
Lembro do tesão que nunca mais me abandonou.
Recordo do gosto do novo.
O gosto da uva.
Lembro de caminhar entre panos.


Viver depois do meu segundo nascimento foi totalmente diferente.
Na verdade, acho que VIVER, no sentido inteiro, completo, ninguém no mundo viveu.
E ao mesmo tempo, todo mundo.
Mas sei que cheguei muito mais perto de sentir a dádiva de viver após meu segundo nascimento.
Sou grata por ele. Eternamente grata.
Não gostaria de estar viva sem ter nascido de novo.


Nascer é um processo difícil.
De luta por dentro.
Dói. Sangra. Sofre.
Por isso muitas pessoas escolhem nascer somente uma vez.


No sentido cronológico da coisa foi assim.
Decidi que queria nascer de novo. E lutei. Ah lutei.
Essa gestação durou pouco mais dos típicos nove meses.
Cerca de de um ano e pouco. Não me recordo ao certo.



As formas, cores, gostos e sons tomaram outra proporção.
Tudo mudou.
Vivo meu segundo nascimento.
Ele tem um gosto maravilhosamente ardido e apimentado.
Doce e sensível.
Quente e salgado.
As vezes se torna frio, frívolo e congelado.
E de vez em quando corre como o diabo.


Nasci de dentro de mim.


Eu sei que meu segundo nascimento é o meu lugar!
E a ele vou eternamente pertencer. Minha alma estacionou lá.
Estou namorando a ideia do terceiro nascimento. Esse é bem curioso na verdade.
Não o vejo tão importante quanto o segundo. Passa longe disso. Mas o quero mesmo assim.


Nascer viver transformar morrer.
Eu sei que gosto do gosto.
Do toque de Agosto.

Sou capaz de seduzir o tempo se for preciso.
O beijo quente, úmido, arisco.


O pé marcado a fé com fogo.
O brilho gostoso.


Do inevitável amado forçoso.


terça-feira, 19 de outubro de 2010

Definitivo

Uma grande amiga é aquela que se torna presente mesmo quanto está ausente.
Essa grande amiga me mandou essa poesia que coloco aqui.
Só queria antes agradecer a ela por todos os momentos, palavras, olhares e abraços.

Obrigada por estar comigo. E você está! =)

Kelly... Doce Kelly!



Definitivo
Definitivo, como tudo o que é simples.
Nossa dor não advém das coisas vividas,
mas das coisas que foram sonhadas e não se cumpriram.

Sofremos por quê?
Porque automaticamente esquecemos o que foi desfrutado e passamos a sofrer pelas
nossas projeções irrealizadas, por todas as cidades que gostaríamos de ter conhecido ao lado
do nosso amor e não conhecemos, por todos os filhos que gostaríamos de ter
tido junto e não tivemos,
por todos os shows e livros e silêncios que gostaríamos de ter compartilhado,
e não compartilhamos.
Por todos os beijos cancelados, pela eternidade.
Sofremos não porque nosso trabalho é desgastante e paga pouco,
mas por todas as horas livres que deixamos de ter para ir ao cinema,
para conversar com um amigo, para nadar, para namorar.
Sofremos não porque nossa mãe é impaciente conosco,
mas por todos os momentos em que poderíamos estar confidenciando a ela nossas mais profundas angústias se ela estivesse interessada em nos compreender.

Sofremos não porque nosso time perdeu, mas pela euforia sufocada.
Sofremos não porque envelhecemos, mas porque o futuro está sendo
confiscado de nós, impedindo assim que mil aventuras nos aconteçam,
todas aquelas com as quais sonhamos e nunca chegamos a experimentar.

Por que sofremos tanto por amor?
O certo seria a gente não sofrer, apenas agradecer por termos conhecido uma pessoa tão bacana, que gerou em nós um sentimento intenso e que nos fez
companhia por um tempo razoável, um tempo feliz.

Como aliviar a dor do que não foi vivido? A resposta é simples como um verso:

Se iludindo menos e vivendo mais!!!
A cada dia que vivo, mais me convenço de que o desperdício da vida
está no amor que não damos, nas forças que não usamos,
na prudência egoísta que nada arrisca, e que, esquivando-se do sofrimento,
perdemos também a felicidade.

A dor é inevitável.
O sofrimento é opcional...


Carlos Drummond de Andrade