"Um caminho que se percorre não com pernas, mas com coração. E onde o único desafio que vale, é percorrê-lo por inteiro."


segunda-feira, 29 de junho de 2009

Lembra?


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Ei, lembra daquela vez que inventamos uma dieta super saudável?
Ei, lembra daquela vez que pulei na cachoeira com o celular no bolso?
Ei, lembra daquela vez que montamos um espetáculo infantil em dois dias?
Mal dormimos e ficamos absurdamente doloridos com as acrobacias...

Ei, lembra daquela vez que eu jurei que só me casaria se fosse com Kurt Cobain?
Ei, lembra daquela vez que planejamos todo o nosso futuro?
Ei, lembra daquela vez que roubamos comida da geladeira e saímos correndo?
Ei, lembra daquela vez que dormimos no chão da rua?
Ei, lembra daquela vez que quebramos o espelho do colégio com bexigas d'água?
Ei, lembra daquela vez que bebíamos vinho todo o dia?
Ei, lembra daquela vez quando fomos ao Duque?
Ei, lembra daquela vez que eu fiquei de ressaca no cinema?
Ei, lembra daquela vez que eu falei que seria minha última ressaca?
E lembra que na outra semana já estava eu de ressaca novamente?
Ânsia e dor de cabeça.

Ei, lembra daquela vez que fingimos ser ricos no trem?
Ei, lembra daquela vez que uma criança arrancou meu nariz de palhaço?

Ei, lembra daquela vez em que perdemos o fôlego?
E lembra o quanto gostamos?

Ei, lembra daquela vez que te contei aqueles segredos?
Ei, lembra da cara que você fez?
Ei, lembra daquela vez que eu fui expulsa de casa?
E lembra de como você me ajudou?

Ei, lembra daquele dia que choveu, mas tomamos chuva juntos?
Ei, lembra daquela vez que dançamos para o trem?
Ei, lembra daquela vez que nos escondemos porque não era permitido?
Ei, lembra daquela vez que eu decidi pular de asa delta e fui mesmo?
Ei, lembra daquela vez que vivenciei o céu e o inferno?
Ei, lembra daquela vez que eu quis ter um carro verde limão?
Ei, lembra daquela vez que eu só lia Nelson Rodrigues?
Lembra daquela outra vez que ficamos com fome naquela fila gigante e compramos caixas e caixas e morango pra comer a tarde toda?

Ei, lembra daquela vez que descobrimos que os homens não prestam?
E lembra que em seguida lembramos o porque precisamos tanto deles?
Ei, lembra quando eu não dormia e nem comia só pra terminar o Harry Potter?

Ei, lembra quando viramos a noite ensaiando?
Ei, lembra quando no meio do espetáculo invertemos a ordem das cenas juntas e botamos a culpa no sonoplasta?
Ei, lembra daquela vez inventei de fazer turismo pra amenizar minha decisão?
Ei, lembra daquela vez que jurei nunca desistir?

Ei, lembra daquela vez que te contei que me pegaram no flagra?
E lembra que fiquei uma semana com vergonha por isso?
Ficava quieta e vermelha por tudo.

Ei, lembra daquela vez em que comemos salgadinho com sorteve?
E lembra que a gente gostou?
Salgado doce.
Ei, lembra daquela vez que pintei minha unha de verde?
Ei, lembra daquela vez que você apareceu lá na platéia?
Ei, lembra daquela vez que você me ligou desesperado as três da manhã e eu fiquei conversando com você até o sol nascer?
E lembra daquela outra vez que você fez o mesmo por mim?
Ei, lembra quando eu só matava aulas?
Ei, lembra daquela vez que só os óculos escuros escondiam minhas olheiras?
E eu parecia uma louca com meu óculos gigante pra cá e pra lá.

Ei, lembra daquela vez que eu acordei sem saber onde eu estava ou o que tinha acontecido?
Ei, lembra daquela vez que eu quase morri quando bebi fanta?
Ei, lembra daquela fez que aprendi uma fórmula de física?
Ei, lembra daquela fez que eu parei de roer as unhas?
E lembra que na semana seguinte estava roendo tudo de novo?
Vício, vício.

Ei, lembra daquela vez que eu tentei salvar um passarinho que caiu no chão, e meu cachorro apareceu e agarrou ele?
Ei, lembra daquela outra vez que eu gritei tanto ensaiando e o vizinho foi chamar a polícia?

Ei, lembra daquela vez que pedimos dinheiro no farol pra comprar vinho e smirnoff?
Ei, lembra daquela vez que eu estava sem dinheiro algum e vivi as custas dos amigos?
Lembra daquela outra vez que eu fiz dívidas com todo mundo?
Ei, lembra daquela vez que eu dormi no ônibus e fui parar numa rua deserta junto com um mendigo?
Um cara muito legal.

Ei, lembra daquela vez que o meu coração bateu?
Bateu.
Bateu.

Viveu.

Hey, remember that time when we decided to kiss anywhere except the mouth?

sexta-feira, 12 de junho de 2009

Um achado sobre arte

O artista é o criador de coisas maravilhosas.

Revelar a arte, esconder o artista é a meta da arte.

O crítico é aquele capaz de traduzir para uma outra maneira, ou para um novo material, sua impressão das coisas maravilhosas.

Tanto a forma mais elevada como a forma mais baixa de crítica é um modo de autobiografia.

Os que descobrem significados feios nas coisas maravilhosas são corruptos deselegantes. Isto é um erro.

Os que descobrem significados maravilhosos em coisas maravilhosas são os ilustrados. Para estes, há esperança.

São os eleitos, para quem as coisas maravilhosas significam apenas beleza.

Não existe isso de livros morais ou imorais. Livros são coisas bem escritas ou mal escritas. É Só.

A antipatia do século dezenove pelo realismo é a fúria de Caliban vendo seu rosto no espelho.

A antipatia do século dezenove pelo romantismo é a fúria de Caliban não vendo seu rosto no espelho.

A vida moral do homem faz parte do tema do artista, mas a moralidade da arte consiste no uso perfeito de um meio imperfeito.

Nenhum artista deseja provar coisa alguma. Até mesmo as coisas verdadeiras podem ser provadas.

Nenhum artista possui simpatias éticas. Num artista, a simpatia ética é um maneirismo de estilo, imperdoável.

Não há artista mórbido. O artista pode expressar qualquer coisa.

O pensamento e a língua são, para o artista, instrumentos de uma arte.

O vício e a virtude são, para o artista, matéria de uma arte.

Sob o ponto de vista da forma, o tipo de todas as artes é a arte do música. Sob o ponto de vista da sensação, o ofício do ator é o tipo.

Toda arte é, ao mesmo tempo, superfície e símbolo.

Os que descem além da superfície, fazem-no a seu próprio risco.

É o espectador, e não a vida, que a arte, na verdade, espelha.

A diversidade de opinião, a respeito de uma obra, mostra que a obra é nova, complexa e vital.

Quando os críticos discordam, o artista está em acordo consigo mesmo.



Podemos perdoar um homem por fazer uma coisa útil, desde que ele não a admire. A única desculpa para se fazer uma coisa inútil é que a admiremos com intensidade.




Toda arte é demasiado inútil.



Oscar Wilde - Prefácio do livro "O retrato de Dorian Gray"

quinta-feira, 11 de junho de 2009

As palavras verdadeiras


Tudo era perfeito.
E as coisas pareciam que agora sim iam se encaixar e fazer algum sentido.
Esperei muito tempo por aquilo, e de repente estava ali, bem na minha frente.
Me esperando pra ser feliz.

De repente eu acordei.
E essa realidade me escapou.
Assim como a água em um copo que é simplesmente virado para baixo.
Acabou.

Tornar o sonho realidade nem é tão difícil.
É preciso coragem e só.

Mas foi estranho...
De repente eu tinha tudo, e no instante seguinte não tinha nada.

E a sensação da vida é assim.

Num dia você está feliz, e fica emocionado de ver as árvores enquanto anda pela linda rua.
É dotado de um bom humor exemplar e fica contente em poder ajudar os outros e cumprir suas tarefas sorridentes.
Ri.
Ri demais.

No outro dia você desaba, se irrita, fica triste, não quer viver. Enxerga cinza e odeia seu mundo.
Chora.
Chora muito.

Temos tudo e temos nada.
E é tão relativo.
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Mas me diga a verdade, porque tornamos tudo tão complicado?
Podia ser tão lindo. E complicamos.
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E como complicamos.
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As palavras mais sinceras são as mais difíceis de sair de nossa boca.
As falsas escapam com facilidade.
Mesmo assim conseguimos. Somos uma mistura das palavras. Verdadeiras e falsas.
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De dentro e de fora.
Vida.
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Eu te amo. Saiba disso.
Mesmo que não saiba.

sábado, 6 de junho de 2009

Ó Dores, Odores, Dolores

Dolores era uma senhora de vinte e muitos anos.
Viúva. Bonita. Ordinária.
Não aparentava a idade.

Dentre suas peculiares experiências cotidianas, ela adorava pegar ônibus e trens sem destino algum.
Dolores era diferente. Ela não se importava com o destino, ou com o objetivo, e sim com o caminho que a levaria até ele.
Vítima de uma insônia perturbadora, ela não tinha medo de olhar as pessoas nos olhos.
Por onde passava sentia um intimo e estranho prazer em realmente encarar cada um que cruzava seu caminho.

Dolores não tinha amigos. Somente amantes.
E o que ela mais gostava neles, era os respectivos cheiros.
E a desgraça da vida dela é que ela não podia de forma alguma guardar esses cheiros só para ela.
Ela queria que alguém inventasse algo, como caixinhas mágicas que pudessem guardar os cheiros dos mortais, os diferentes gostos.
Odores requintados.
Ela era capaz de passar uma madrugada solitária inteira se revirando na cama, farejando as cobertas e tentando lembrar ou obter algum odor de quem se deseja. Seria melancólico se não fosse pitoresco.

Dolores não gostava de rotina.
Todo dia quando acordava pensava no que ainda não tinha feito na sua vida, que já não teria mais muitos anos em sua opinião.
E o dia se passava na tentativa de realizar o maior número possível de desejos, fossem eles normais, estranhos ou até mesmo condicionados.

Dolores não tinha uma boa imaginação, embora gostaria muito de ter.
Ela as vezes simplesmente se sentava em baixo de uma árvore, e tentava imaginar.
Não conseguia. Sua mente queria apenas novas aventuras, cheiros e amantes.
Odores e paixões.
Clandestina Dolores.

As vezes Dolores com um.
Dois ou três.
As vezes não importava e ela se sentia sozinha.
Com quem ou onde estivesse.
Nessas horas Dolores entrava dentro de seu cérebro e nadava em meio a um rio de lembranças e neurônios. E hipotálomo.
Era praticamente uma máquina do tempo, da vida ou da dor.
Tantas dores, Dolores. Ó dores.

E nessa vida existencial, pontual e colossal ela ia.
Ela não vivia, como dizia: "Me visto e sou, porque aqui ando, falo e estou. A procura daqueles odores e fragmentos de perfumes e flores."
Pobre Dolores. Horrores.

Ó dores.

Odores.

Dolores.

terça-feira, 2 de junho de 2009

O essencial é não mudar nunca




"Nada a fazer."

"Gente é um bicho muito ignorante."

"Não se pode fazer nada."

"A gente é o que é."

"O essencial é não mudar nunca."


Dois seres.
Olhar morto.
Pessoas estranhas.

Nada a fazer.

Procurar saídas?
Buscar mudanças?
Todo dia é mesma coisa.

Gente é um bicho muito ignorante.

A alienação.
A acomodação.
A infinita espera.

"Não se pode fazer nada."

Todos nós já nascemos mortos.
E nada que façamos mudará isso.
Melhor nos conformarmos e esperarmos.

''A gente é o que é."

E mais um dia nasce.
E mais um dia igual.
E a espera continua.

"O essencial é não mudar nunca."

'' Não vamos perder tempo com discussões inúteis! Vamos fazer alguma coisa, já que temos essa oportunidade. Neste momento, neste lugar, a humanidade inteira se resume a nós, queiramos ou não. Vamos fazer o melhor que pudermos, antes que seja tarde demais! Vamos representar com dignidade, pelo menos uma vez, o papel que um destino cruel nos reservou. O que é que você me diz? É evidente também que, se ficarmos de braços cruzados, sem fazer nada, pensando os prós e os contras, também faremos justiça a nossa condição. Mas a questão não é essa. O que estamos fazendo aqui, essa é a questão. E nessa imensa confusão uma coisa é cristalina: estamos esperando godot."


Será?


* textos com aspas são da peça Esperando Godot, de Samuel Beckett *